Moosburg Online: www.moosburg.org Stalag VII A
Stalag VII A: História oral


Octaviano José Soares
Jornal

Capa do livro: Um pracinha paulista no inferno de Hitler. Autor: Altino Bondesan

O "Noronha" voltou!

Transcrição da entrevista de Noronha ao jornal: E a cobra fumou! BONDESAN, Altino. Um pracinha paulista no inferno de Hitler. Curitiba/Rio de Janeiro/São Paulo: Guairá, 1947:280-283.

A reportagem de "... E a cobra fumou!", como não podia deixar de ser, esteve na recepção ao Octaviano José Soares. "Ora! Muitos dirão, quem será esse tal José?" - Respondemos: trata-se do primeiro soldado de nosso Batalhão a regressar, depois de haver estado prisioneiro dos alemaes durante seis meses. Conseguimos, a muito custo, aproximar-nos do ponto de atenção de todos os rapazes da 3ªCia. Criavavam-no de perguntas as mais diversas. "Noronha", seu nome de guerra, era bradado continuamente. Mas preferimos chama-lo de Soares, à maneira que tínhamos de trata-lo, desde aquele 21 de janeiro de 1943 quando, entre 600 outros convocados de Campinas, desembarcamos em Caçapava.Fizemos "uma viração em regra" "para que outros camaradas compreendessem aprioridade da Imprensa. Depois, numa dependência do grande colégio, onde estão hospedada a "melhor do mundo" começamos o nosso trabalho. O Soares trabalhava em Campinas, na Agencia Chevrolet. Tem 24 anos de idade. Alto,moreno e... pretende engordar agora que não é mais prisioneiro. Quis, antes de mais nada,que deixássemos patente a coragem e desprendimento do cabo Waldemar ReinaldoCerezoli e soldado Eliseu de Oliveira, seus companheiros naquela infeliz jornada de Colle, em Barga. Disse-nos o Soares que, estando a casa, onde se abrigava o seu grupo, cercadapor fogos inimigos e sem comunicação com o comandante, aqueles dois bravos se prontificaram a ir rastejando até o local onde se encontrava o P.C. das "Lourdinhas" e "banho" de morteiros. - "Minha odisséia começou com a explosão de uma granada de fuzil", falou nosso entrevistado. "Fui ferido e a metralhadora, que estava em minhas mãos, voou pelos ares em pandarecos". Mostrou-se em seguida as pernas e as costas. Uma porção de manchas escuras, cicatrizes recentes, na pele morena era o que servia. "Logo mais, prossegue, os alemães apoderaram-se da casa e nos aprisionaram a todos. O sargento Joel Carlos Borges dera ordem para que se resistisse até o ultimo cartucho e depois destruíssemos todo o material que pudesse ser útil ao inimigo, antes de nos entregarmos. Assim, eles só apanharam as rações K que devíamos comer naquele dia. Ao ser levado para o Posto de Saúde por meus próprios companheiros, alguns dos quais levemente feridos - desejo por em relevo o cabo José Rodrigues, que muito me sofria, notar que os alemaes tinham um bocado de baixas naquele dia. Vi muitos mortos e feridos. Admirei-me com as formidáveis fortificações de toda a região Barga-Castelnuovo. Também com o grande numero de tedescos. Num, ao que me parecia capitão, percebi signo da morte que identificava o SS. - Eu lhe conto... Só depois de 5 dias de viagem por caminhão cheguei a Mantua, onde havia hospital, já separado de meus companheiros. Dou uma idéia de seus recursos, dizendo que os estilhaços de meu corpo foram tirados sem aplicação de anestésico. Meus gritos eram abafados com gaze na boca. Calcule como sofri! A alimentação para os feridos também não era grande coisa. Mas pior foi quando dois meses depois, restabelecido, fui mandado para o campo de concentração na própria Mantua. Já era inverno; os abrigos uns barracões abertos, a cama feita de taboas, coberta muito mais curta que o corpo, a comida, sempre sopa. O que havia de sobre era neve e frio. Entre os 500 prisioneiros, que calculo houvesse no campo, de varias raças, eu era o único brasileiro."

A uma nova pergunta, responde o Soares: "Sim, havia sabão e também 20 cigarros por semana, que nos mandava a Cruz Vermelha Internacional. Mas a água só bastava para lavar o rosto, e muito mal. Também me foi permitido passar um radio para minha família, por intermédio da mesma organização.

"Presentes de civis? Uma única vez, dos habitantes da cidade. Do pão branco, um luxo, salame, e maça só vimos e comemos o pão, ainda assim, metade do que nos haviam mandado.

Por varias vezes era para haver deslocamentos dos prisioneiros daquele campo, em trem, mas depois de estarem todos embarcados dava-se "ultima forma", porque a aviação destruía pontes e linhas de estrada de ferro".

- Nada era feito para os divertir, como os americanos fazem aos prisioneiros alemães? A vigilância era muito severa?

- "Nada. "Chi toca, fili muore" - as cercas eram eletrificadas. Nosso divertimento consistia em dormir para esquecer a fome e ver a aviação aliada bombardear e metralhar objectivos nas imediações. Isso acontecia frequentemente. Você nem calcula como "homens" ficavam por conta! Um dia, em conseqüência talvez da ofensiva que se anunciava, houve a mudança dos prisioneiros. Fomos para Brunico, próximo da fronteira da Áustria. Creio que a intenção inicial era levar-nos para a Alemanha, mas o transito do Passo de Brenner, como todos sabem, era um problemas. Em Brunico, vi um aviador da FAB. Ali veio juntar-se a mim um soldado do 11° R.I. aprisionado no Monte Belvedere.

- Ah! Aquele que foi tirado da casamata com um americano dos tanks?

- "Sim. Ele contou-me uma coisa interessante: Ao ser interrogado, os alemães queriam saber o significado daquele distintivo "cobra fumando". Não se conformaram com a explicação dada. Foi lançado em relatório que tratava de prisioneiro de uma unidade alpina Brasileira! "Se não fosse assim, concluiu o interrogador, como podem vocês combater dessa forma nos morros?

- E a liberdade? Veio de surpresa?

- Nem tanto. Os movimentos há dias eram o prenuncio de novidades boas para nós. Mesmo assim, não deixou de ser uma coisa agradabilíssima ver os americanos chegarem em jeeps, e, logo mais, revezar os que se voluntariassem para isso, a guarda dos tedescos. Os papeis se invertiam para isso, a guarda dos tedescos. Os papais se invertiam e eu respirava um ar livre antes de tomar um bom banho... Essa foi em linhas gerais, a história que nos contou o Soares. Não quisemos prolongar nossa conversa, por mais tempo. Muitos ainda não o tinham cumprimentado e queriam uma "deixa"...

- "Ah! Disse-nos ele, antes de terminar, gostaria de dizer o quanto fiquei constrangido quando soube em Nápoles que a minha companhia tinha sido mal julgada por seu comportamento no dia 31 de outubro. Quem, como eu e outros, ali estivesse naquele dia não faria, em absoluto, tal julgamento..." Nós o sossegamos, dizendo que Castelnuovo, Zocca e Segalara provaram de sobrejo em favor do conceito da 3ª Cia. "O Noronha voltou! "Poucos em nosso Batalhão e mesmo no Regimento, tiveram uma provação tão dura, um sofrimento tão forte. Porém, quando ainda em Nápoles lhe fora dada "chance" de ir para o Brasil, evacuado, ele deu um geito e veio para aqui, onde o atraem velhas amizades. Com elas, queria compartilhar os últimos tempos da Itália. Não restava duvida! O sorriso com que nos disse: "Até logo"", dizia também de sua fortaleza de animo que, como a dos outros camaradas que voltarão, os "boches" não conseguiram destruir. H.

* Fontes:

  • BONDESAN, Altino. Um pracinha paulista no inferno de Hitler. Curitiba/Rio de Janeiro/São Paulo: Guairá, 1947:280-283
  • E-mails por Douglas de Almeida Silva, São José dos Campos, Brasil, a Moosburg Online, set. 2012

Citizens' Net Moosburg Online Stalag VII A
Último update 3.11.2012 por © Team Moosburg Moosburg Online - Todos os direitos reservados!